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 A ARTE COMO CONSTRUÇÃO LÓGICA E ABSTRATA DO SENTIMENTO INCONSCIENTE: humanização dos sentidos nas oficinas de arte e cidadania

 

                             MANOEL ESPERIDIÃO DO RÊGO BARROS NETO

 

 

            O movimento artístico nasceu da necessidade de expressão do ser em relação à vida, isto é, foi o primeiro registro de imagens escritas (registro linguístico), foi um processo de libertação interior. Essa liberdade de mover e de arriscar vem sendo submetida à certa padronização de formulas sociais, esses padrões refletem na maneira de ser, e ver do indivíduo. Contudo, é necessário percebermos que a produção artística e cultural requer um conhecimento interdisciplinar, isto é, histórico/antropológico, fazendo parte do que vamos chamar de humanização dos sentidos. Essa humanização de sentidos faz parte da sensibilidade estética, porém, este ato sensibilizante só pode ser realizado quando é partilhada com o outro. E a orientação metodológica para o desenvolvimento desta linguagem estético-sensitiva promoverá uma reeducação de sentidos internos ou uma reflexão das imagens ações.  

            Devemos perceber que as imagens artísticas ou as composições musicais desenvolvidas em oficinas educacionais de arte e cidadania, não são meros reflexos do real, são representações enquanto sistema simbólico das nossas internalizações são imagens do inconsciente, são experiências de transformação. São respostas novas que podem representar: afeto, emoção, fantasia ou reflexo da experiência do real, esse experiencial intersubjetivo vai ser chamada por nos de “momento de encontro”. Estas representações cognitivo-emocionais utilizadas em oficinas de Liberdade Assistida (L.A) buscou uma reflexão das imagens ações. Essa reflexibilidade utilizada em composições artísticas transformadoras, complexas e maduras possibilitou-nos a utilização de novas interpretações destas imagens (ação e espetacular) ou experiências novas de relação. É pertinente mencionarmos: ler uma composição artística é assimilar sua transparência diante da opacidade, é uma relação implícita de partilha, é internalizar as emoções. Ao internalizarmos estas sombras cerradas, densas e dolorosas das imagens ações refletidas ao objeto visualizado, passamos por um estagio de transferência de sentimentos ou medo. Isto é, passamos a internalizar as imagens captadas pela impressão ocular com as nossas imagens internas, vamos chamar este fenômeno de transferência ou reações negativas. Este sentimento negativo pode ser percebido também pelo próprio artista, a subjetividade nasce e se modifica sempre e exclusivamente de modo relacional. Essa subjetividade ou imagens ações representadas ao papel não podem ser alcançada por si só, mas podem interagir com novas relações subjetivas no campo intersubjetivo. O campo intersubjetivo é o espaço intermediário que se cria durante o encontro das duas subjetividades, isto é, a imagem ação e a imagem reproduzida inconscientemente.

            Contudo, devemos ter em mente que o compartilhamento de informações sujeito/arte não pode ser um processo teórico/prático, se for uma pretensão do artista superar a dicotomia conteúdo/forma ou imagem refletida e imagem internalizada, deveram compreender e ou alcançar esse efeito intersubjetivo. Neste caso o domínio teórico/prático das imagens inconscientes do sujeito, deve complementar-se ao objeto artístico e ao estudo histórico/antropológico.  

            A observação e compreensão analítica e antropológica que se esconde por traz da obra artística sombria e abstrata e subjetiva do sujeito, vão exigir do mediador da oficina um entendimento de todo seu desenvolvimento individual/cognitivo, e os seus objetos de aceitação de símbolos sócio/culturais e emocionais. Por este motivo é importante termos estas impressões durante o acolhimento na primeira oficina de arte e cidadania e ou na anamnésia.

            Segundo Deldime (2004, p.14), o desenvolvimento do ser humano é complexo, pois o crescimento e as mudanças sociais afetam aspectos da personalidade. A principal delas é o social, neste caso cabe ressaltar que os aspectos emotivos exógenos irão influenciar seu desenvolvimento psicossocial. Outro ponto a ser observado é a relação escrita/desenho nos trabalhos apresentados.

            A arte é uma expressão cultural que revela imagens subjetivas, são construções lógicas e abstratas do inconsciente. Esse inconsciente é refletido nos traços, nas composições musicais, nas linhas e cores. E sua estética delirante vai ser despertada pela plasticidade nas misturas de imagens, linhas e cores, na interpretação de uma obra musical ou nas composições de cores surrealistas.

            E essa organização estrutural da estética delirante e intersubjetiva vai confundir-se com a curiosidade do sujeito em desenvolvimento. É neste momento que ele vai perceber-se pintando, compondo música e reorganizando seu inconsciente. Segundo Winnicott (2005), devemos dar oportunidade para expressões criativas se quisermos neutralizar os impulsos destrutivos da criança. O processo artístico desenvolvidos em oficinas na Casa de Passagem III, na Necessidade Especial e por fim na Liberdade Assistida, possibilitou um espaço seguro, acolhedor e criativo, assegurou impressões inconscientes no campo intersubjetivo e apresentada nas composições artísticas, possibilitou a compreensão do belo, do feio e do medo.

            Nietzsche (2008) menciona que nada é mais condicionado do que nosso sentimento do belo. “[...], o homem se espalha nas coisas, ele julga belo tudo aquilo que devolve sua imagem” (NIETZSCHE. 2008. P. 91). E complementa que nada é feio, a não ser o homem que degenera, esse sintoma é entendido como sintoma de degenerescência. Odiamos o instinto da espécie, neste ódio existem: o medo, a cautela, a ausência de liberdade ou o tolhimento, a velhice e a derradeira rarefação transformada em símbolo social. Por todas estas causas, a arte é profunda.

            É importante citar que as oficinas de arte e cidadania na educação não devem aprisionar os sujeitos em quatro paredes, deve libertar a imaginação permitindo buscar outros delírios urbanos e culturais para compor sua obra. É necessário que o sujeito se perceba fora do caos urbano, ultrapasse ou se perceba no vazio primordial do caráter ilimitado e indefinido, se julgue horrendo.

            Nestas oficinas buscamos o estado geral e desordenado que antecede a intervenção do demiurgo, ou melhor, modele e organize a matéria caótica e preexistente através de modelos imperfeitos como o “eu”. Contudo, para que isto aconteça é necessário se perceber fora da loucura narcísica da sociedade capitalista, é necessário mergulhar nos estados oníricos buscando a transcendência do “eu”.

            À apreciação de imagens externas vai possibilitar ao sujeito partilhar experiências e visões de mundo vivido. Desta forma devemos possibilitar a construção de imagens oníricas em oficinas artísticas de instalações, pinturas ou composições musicais. Isto é, construir explicações interpretativas de culturas diversas e intersubjetivas. Estas associações do “eu com o caos Urbano” pode possibilitar ao sujeito apropriar-se do significante e do significado. Contudo, para que ele mesmo encontre suas respostas, ou o caminho de sua reconstrução interna, é necessário organizar seu conjunto de sensibilidades emocionais. Tal desenvolvimento não se prende a um discurso linear, nasce das composições abstratas e intersubjetivas, nasce da compreensão do mundo vivido. Segundo Barros Neto (2010) esse discurso vai revelar as cores e as linhas do inconsciente, podendo assim, trazer significados no existir. A arte como processo da busca do “eu e significação social” pode possibilitar ao sujeito conectar os mundos externos com os internos. Permiti-lhe um olhar crítico e uma compreensão de suas amarras e limites. A partir deste processo de busca interior e ao mesmo tempo trabalhando sua libertação emocional é possível possibilitar a compreensão dos signos sociais. Segundo Winnicott (2005), a liberdade é algo fundamental, devemos viver livres para viver com imaginação.

                                                       REFERÊNCIAS

BARROS NETO, Manoel Esperidião do Rêgo. Violência e violação de direitos na escola pública: desafios enfrentados por docentes e gestores. Natal R/N: ed. Do autor, 2012 – Trabalho de Intervenção Socioescolar apresentado à Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, como registro parcial para a obtenção do Título de Licenciatura em Pedagogia.

LAKOMY, Ana Maria. Teorias cognitivas da aprendizagem. Curitiba: IBPCX, 2003.

 

FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 2010.

WINNICOTT, Donald W. A família e o desenvolvimento individual. 3ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

-----------------, Tudo Começa em Casa. Editora: WMF: Martins Fontes. 2011.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Crepúsculo dos ídolos. Porto Alegre, RS: L&PM, 2011.

 

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