INTRODUÇÃO AO PROJETO LIVRO DA VIDA: uma pedagogia do diálogo
MANOEL ESPERIDIÃO DO RÊGO BARROS NETO
OBS: todos os direitos
reservados ao autor.
A educação e a
classe social como gênero, etnia e condições sociais econômicas são fatores importantes
na seleção social dos sujeitos? Diante deste impasse passamos a considerar que
a seleção dos sujeitos sociais nas sociedades Capitalistas trazem questões
danosas a sobrevivência de algumas comunidades e a sociedade como um todo. É
preciso ressaltar que a apartheid trás perspectivas de violência como: exclusão
escolar e social, bem como, a fragilização dos vínculos familiares e Violação
dos Diretos Humanos como um todo. “[...], percebemos a reprodução das
desigualdades a partir da carência da própria escola pública que não consegue
oferecer acesso a serviços de qualidade por má administração orçamentaria
[...]” (SANTOS, apud, KOLLER. 2010. P. 206).
Desta forma concluímos que, a
especialização de um profissional se dá pela sua qualificação comprovada
academicamente e ou pela boa qualidade intelectual, e ou pelo seu desempenho de
trabalho. Estas observações também são destaque nos estudos de Gequelin e
Carvalho. Ao escolhermos os sujeitos estaremos automaticamente excluindo
outros, gerando violência, criminalidade, Violação de Direitos Humanos e
insegurança social. A desestabilização psicológica do sujeito está associada aos
comportamentos agressivos, o uso de álcool e outras substâncias psicoativas,
violência sexual, abandono familiar, a negação instintiva, a quebra das
relações familiares e o mais grave de todos, os suicídios. “Os valores que
guiam os comportamentos individuais e as ações educativas entram em crise
porque também estão em crise os sistemas sociais”. (SILVA. 2010. p. 55).
O mais grave dentre tudo isto é que
nas escolas não existe uma proposta pedagógica reparador e ou desafiadora que
possibilite observar ao sujeito outra perspectiva de vida sem que seja o
tráfico, o abandono e ou a rua. Muitas vezes o despreparo da Instituição de
Ensino, a carga horária dos docentes, o programa curricular e acadêmico, salas
de aulas lotadas e a falta de apoio de políticas públicas (Saúde e Assistência
Social) levam os sujeitos à exclusão e a Violação dos Direitos Humanos. Para
Leite (2005) o sofrimento que advém ao sujeito está na sua condição existencial
conflitiva e social, estes fatores são determinantes para crianças e
adolescentes com vivência de rua ou adictos[1]. Vigotski (2010) menciona
que a relação do homem ao meio deve ter um caráter de atividade satisfatória e
não de dependência. O citado autor (2010) acrescenta ainda que, a
adaptabilidade entre o sujeito e o meio pode significar uma luta violentíssima
entre os fatores internos e externos.
Cabe ressaltar que segundo os dados
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ. 2012), 44% dos adolescentes em
cumprimento de Medida Socioeducativa de Privação de Liberdade são analfabetos,
e estes se encontram na Região Nordeste. “Em média, os adolescentes que
declaram ter parado de estudar entre oito e dezesseis anos interromperam seus
estudos aos 14 anos [...]” (Panorama Nacional – A execução das Medidas
Socioeducativas de Internação-Programa Justiça Jovem. - Conselho Nacional de
Justiça – CNJ. 2012. p. 16). A pesquisa
do Panorama Nacional de Execução de Medidas Socioeducativas, aponta que 19% dos
adolescentes pararam de estudar no 4º ano, 15% no 3º ano, 8% no 2º ano e 12% no
1º ano do Ensino Fundamental, e só 6% no Ensino Médio. Diante de tal situação
faz-se necessário pensar quantos adolescentes perdemos para a morte e o tráfico
de substâncias psicoativas por estarem fora dos muros das escolas.
Muitas vezes o ato infracional
causado pelo adolescente vem refletir sua realidade sócia familiar, isto
porque, suas famílias estão inseridas nas mesmas bases sociais da apartheid, ou
melhor, vivem em guetos (ghetto[2]). Há de se considerar que
o futuro da criança ou do adolescente vem se construir em seu presente, devemos
perceber que as cidades brasileiras não são sustentáveis. Para termos uma
cidade sustentável deveríamos ter: moradia digna, emprego, mobilidade urbana,
escola, saúde pública, áreas verdes para a população e respeito social, etc.
“A capacidade de uma pessoa para se relacionar
depende das experiências que vive, e as instituições educacionais são um dos
lugares preferenciais [...]” (ZABALA. 1998. p. 28). O citado autor acrescenta
(1998) que estes vínculos e relações se estabelecem, passando a definir as
concepções pessoais sobre si e os outros.
“Quando
se tenta potencializar certo tipo de capacidades cognitivas, ao mesmo tempo se
está influindo nas demais capacidades, mesmo que negativamente” (ZABALA. 1998.
p. 28).
Para Freud (1996) a residência das
pulsões[3] esta na frustração
cultural e no fracasso social, estes fatores regem o vasto domínio das relações
sociais. As ocorrências destes impactos impulsivos têm início em estados
inconscientes obedecendo todo um sistema primário desencadeando assim um
processo de catexia[4].
A escola tem o poder de reconstruir estas relações ou estes estados catéxico,
quando permiti ao sujeito o contato com o mundo cultural e intelectual,
possibilitando-lhe a Cidadania. Contudo, este poder aumentaria se mostrássemos
a estes sujeitos que eles também são fazedores de cultura e formadores de
opiniões. Ou melhor, deveríamos mostrar e possibilitar a este sujeito o
desenvolvimento de sua cultura.
Como já citamos anteriormente, a
vida social determina peculiaridades individuais na consciência do sujeito.
Essa consciência social passa a interferir em seu comportamento, isto é,
família, escola, grupo de amigos, vivencia de rua, trabalho e lazer. Os fatores
exógenos – são determinantes na mudança do sentimento e do comportamento,
permitindo ao sujeito experimentar a dor totalitária do mundo interno.
Os pressupostos bibliográficos nós
mostrou que os papéis sociais são determinados pela posição social e cognitiva
que o sujeito ocupa. Outro ponto observado foi à imagem ação e a imagem
espetacular apresentada pela abstração da subjetividade nos atos agressivos.
Assim, percebemos que ir a escola é
mais que uma ação intelectiva e de desenvolução cognitiva, é uma relação de
construção psicossocial. “Mais
do que instituição catalizadora do desenvolvimento coletivo cognitivo, a escola
é uma instituição de socialização, apoio sócio emocional e reconhecimento da
identidade cultural” (SANTOS, apud KOLLER. 2010. P. 1999). Por este motivo o
contato do sujeito com a Instituição Intelectual deve ser determinante na
construção psicossocial.
Não é possível orientar alguém a ser
condutor e não conduzido sem antes conhecê-lo, sem antes liberta-lo das
limitações e das amarras que o impedem de caminhar com os próprios pés. O
método de estimulação e reeducação psicotécnica pedagógica foi desenvolvido em
oficinas de arte e cidadania na Casa de Passagem III e na Liberdade Assistida.
Essa estimulação cognitiva nós permitiu a clareza e a compreensão dos quatro
pilares da educação: o aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver
junto e a prender a ser.
Faz-se necessário destacar que os
desafios metodológicos desenvolvidos no Projeto possibilitou uma compreensão de
que o ensino e a aprendizagem é uma disputa constante em forma de diálogo, e
está presente nas etapas e nos limites do conhecimento humano. E este desafio
está estabelecido entre o sujeito e o objeto a ser compreendido, isto é, a
assimilação mental. As atividades utilizadas permitiram aos adolescentes e aos
técnicos buscarem respostas as suas hesitações entre as opiniões diversas, isto
é, os medos e possíveis reflexões dos projetos de vida.
Cabe ressaltar que as ordens lógicas
utilizadas em oficinas podem asseguraram as adaptações dos conteúdos
transmitidos aos sujeitos. Estes conteúdos foram relacionados à vivência de
mundo dos adolescentes, isto é, imagem corporal, imagem espetacular e a imagem
ação.
O presente trabalho foi enriquecido com a
pedagogia do movimento no corpo da curiosidade, isto é, universo lúdico como:
criação e interpretação de textos, composições de rap, composição artística e
visitas aos Salões de exposições de arte e jogos matemáticos. Desta forma
podemos afirmar que foi por meio de atividades de estimulo/resposta que nos
permitiu buscar a dimensão motora e o desenvolvimento das coordenações
dinâmicas manuais, isto é, escrita, o desenho, as atividades dos jogos
matemáticos (raciocínio lógico), a leitura e a interpretação de textos. Dentre
tudo isto, o mais importante foi o conhecimento e a busca do “eu”. Contudo,
vale salientar que a grande maioria dos sujeitos atendidos em Oficinas de
Liberdade Assistida não terminou o Ensino Fundamental e ou estão fora da escola
por muito tempo.
O
Projeto de Intervenção Psicotécnica Pedagógica buscou conhecer o sujeito em
toda sua limitação trazendo-lhe autonomia. As oficinas foram planejadas diante
das observações feitas no acolhimento e pelos estudos apresentados nos pressupostos
bibliográficos pedagógicos, psicopedagógicos e psicanalíticos. E tem o objetivo
de buscar o inconsciente do sujeito e libertá-lo de suas amarras como: os
déficits cognitivos e nos fatores exógenos.
Há de se considerar que o número de
crianças e adolescentes vem crescendo nas ruas das grandes cidades brasileiras.
Eles habitam os sinais de transito, os transportes coletivos, e se colocarmos
olhos mais apurados poderemos ver famílias vivendo nas ruas.
É necessário refletir sobre as desigualdades sociais e a
desconstrução das Instituições sociais. Devemos refletir também sobre o surto
de saúde pública instaurada em todo o Brasil, o uso de substâncias psicoativas,
em especial o Crack, e a fragilização dos Órgãos Governamentais de saúde
pública e educação.
Neste caso os
dados apresentados para o desenvolvimento deste estudo mostrou a desconstrução
das redes sociais como um todo. Foi na Liberdade Assistida que nasceu o Projeto
Livro da Vida uma Pedagogia do Diálogo.
Contudo, este mesmo método de estimulação e reeducação
pedagógica foi primeiro desenvolvido com os adolescentes da Casa de Passagem
III[5]. Nesta Instituição
trabalhamos com oficinas de arte e cidadania, em todas as oficinas adolescentes
e educadores foram levados a refletir sobre o mundo vivido e o “eu social”,
buscamos reflexão nas obras e na cultura de outros artistas, a reflexibilidade
interior durante as oficinas trouxe a tona sentimentos negativos e positivos.
O contato com as artes visuais, as
artes cênicas e a música erudita na Casa de Passagem III complementou-se com
visitas no centro histórico de Natal RN, museu de arte sagra, teatro e
exposições de artes contemporâneas. Contudo, foi nas artes visuais que aos
adolescentes e educadores interagiram com o inconsciente buscando sua cultura e
os estados oníricos. As composições artísticas revelaram momentos vividos,
sofrimento, experiências e vivências de rua, desejos e sonhos de uma vida
melhor. Muitos adolescentes, perdemos para a morte física, mas, resgatamos da
morte psíquica, outros tantos.
Aos educadores sociais foi permitida
uma melhor interação relacional com os adolescentes, estes participaram
intensamente das oficinas compondo e interagindo artisticamente. A estes, foi
permitido dar vazão as tensões inconscientes vivenciadas no cotidiano do
trabalho. A arte unida à cidadania
revelou talentos e o contato com outras culturas, permitiu ao sujeito a
interação com ele mesmo e com o inconsciente.
Como resultado deste trabalho,
organizamos uma grande exposição de arte e confecção de cartões postais. Aos artistas
foi permitido conhecer a sensação de participar de uma exposição aberta ao
público, e ao público foi permitida a interação com o desconhecido, a
subjetividade da imagem ação.
Grande parte do acervo artístico exposto foi vendida, e
os valores direcionados aos autores. Há de se considerar que buscamos
autoestima, coordenação motora e o despertar curioso do sujeito acolhido e do
educador social. Hoje muitos destes adolescentes são alunos de escolas de
desenhos, isto é, desenvolvem um potencial artístico, ou sublimam seus desejos
incônscio ao papel.
O contato com a arte e com os
adolescentes em situação e risco social possibilitou-nos uma reflexão sobre os
processos educativos/ vivenciais. Estes adolescentes puderam articular-se na busca
de novas relações sociais, ou na reeducação de uma nova cultura preservando a
sua. Isto é, foi na reeducação e na estimulação cultural que retiramos traços
significativos para dar um novo sentido à vida. No entanto, é necessário
percebermos que o processo de adaptação do sujeito ao meio é doloroso
internamente. Quando falamos em reeducação e estimulação, falamos em novos
vínculos no sistema já constituído de comportamento, falamos no desenvolvimento
do ócio criativo. Vigotski (2010) menciona que devemos entender a palavra
reeducação como reelaboração radical e ou reconstrução do sistema de resposta
já existente. Ele acrescenta ainda que nada educamos, apenas preparamos lúdica
e laboriosamente, novas habilidades.
REFERÊNCIAS
VIGOTSKY,
L. S. Psicologia pedagógica. 3ª Ed.
– São Paulo: Editora WMF. Martins Fontes, 2010.
GOHN, Maria da Gloria. Educação não formal no universo das práticas educativas. São Paulo:
Cortez, 2010.
FREUD,
Sigmund. Obras
psicológicas complementares de Sigmund Freud; edição standard brasileira/
traduzido do Alemão e do Inglês. Rio de Janeiro: Imago, 1996. O ego e o ID e
outros trabalhos. 1923 – 1925.
PANORAMA NACIONAL – A
EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE INTERNAÇÃO-PROGRAMA JUSTIÇA JOVEM.
Conselho Nacional de Justiça – CNJ. 2012. Brasilia.
ZABALA,
A. A função social do ensino e a
concepção sobre os processos de aprendizagem: instrumentos de análise.
Porto Alegre: Artmed, 1998. P. 27 a 52.
MORAIS,
NEIVA-SILVA, KOLLER. Além do Saber Ler e
Escrever: a escola na vida das crianças em situação de rua. 1ª ed. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 2010, p. 199 a 211.
LEITE,
Eduardo A, Furtado. Drogas, concepções, imagens: um comentário sobre dependência
a partir do modelo usual de prevenção. São Paulo: Amablume; Fapesp, 2006.
CIENCIAS
E COGNIÇÃO. 2007; Vol. 11: 132-142. J. Gequelin e M. C. N
de Carvalho. Escola e comportamento
antissocial. < http://www.cienciasecognição.org>
submetido em 08/06/2007 / Revisado em 26/07/2007 / Aceito em 30/07/2007. ISSN
1806-5821. Publicado on line em 31 de julho de 2007.
[1]
Adicto: dependente ou submisso; indivíduo que tem dependência química de
determinada substância. Dicionário Eletrônico Houaiss da língua Portuguesa 3.0.
[2] GUETO, GHETTO – Região onde, em
algumas cidades da Europa, os Judeus eram obrigados a morar, ambiente fechado,
não acessível. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua portuguesa 3.0.
[3] PULSÃO: processo dinâmico que faz o
organismo tender para uma meta, a qual suprime o estado de tensão ou excitação
corporal que é fonte do processo catéxico. Dicionário Eletrônico Houaiss da
Língua portuguesa 3.0.
5 concentração de todas energias
mentais, uma sequência de pensamentos ou encadeamento de atos. Dicionário
Eletrônico Houaiss da Língua portuguesa 3.0.
[5] Instituição de Acolhimento
Institucional da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social –
SEMTAS. Prefeitura da Cidade do Natal – R/N.
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