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A SATISFAÇÃO DOS DESEJOS E A REPULSA DOS SOFRIMENTOS

 

                                     MANOEL ESPERIDIÃO DO RÊGO BARROS NETO

 

 

É necessário perguntar: o que é educação? Seria uma aplicação de métodos que asseguram a formação e o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos sujeitos. Ou uma relação mútua de costumes sociais?

            O termo educação deriva do vocábulo latino, “educo” que quer dizer, criar, instruir, ensinar e conduzir; e ou educatyo que quer dizer: nutrir, cultura, cultivo. Educar também esta ligada a educare, verbo composto do prefixo “ex” (fora) e “ducare” (conduzir, levar), que significa “conduzir para fora”. Portanto, é licito supor que a prática pedagógica é à ciência do ensino, esse exercício tem como princípio os fatores sociais, cuja origem está ligada à própria humanidade. Por isso, a compreensão do fenômeno educativo fez surgir um saber específico que foi associado ao termo pedagogia. Essa prática educativa e sua teorização levou este saber pedagógico a um nível cientifico.

            Desta forma é licito supor que a educação tem por objetivo preparar o sujeito para viver no mundo, fora de seu universo individual, organizando seus conhecimentos culturais e sua linguagem. “[...], a educação é definida como adaptação da experiência hereditária a certo meio social” (VIGOTSKI. 2010. p. 76). E menciona que quando dialogamos conduzimos e experienciamos conhecimentos ou um novo jogo com processos psicológicos de natureza educativa. Tratamos da elaboração e do estabelecimento de novos sistemas de respostas significativas ou novas formas de comportamentos a algumas respostas. De forma geral, quando reconstruímos através do diálogo elaboramos novas possibilidades de respostas ao objeto a ser dialogado.  

            Neste trabalho de intervenção psicotécnica pedagógica, não usaremos o termo educar e sim reeducar. Cabe ressaltar que se quisermos conduzir para fora novas formas significativas na observação do objeto a ser pesquisado, devemos buscar vivências de mundo. 

            Diante da realidade apresentada durante o acolhimento dos sujeitos devemos planejar as atividades com base nas realidades apresentadas durante o acolhimento. É oportuno frisar que as ações planejadas empenham-se em alcançar os vínculos comportamentais já constituídos e os déficits cognitivos. Assim encontraremos a reconstrução no conjunto de elementos intelectualmente internalizados e organizados, ou melhor, no conjunto de ideias já consideradas em suas relações sociais. Para termos uma ideia sobre o conceito de educação dialogaremos sobre alguns tipos de educação social.

            A família desempenha um papel real na formação e no caráter do ser social, já o socioescolar vem ampliar e organizar esse processo relacional e cultural. Por outro lado, à sociedade é determinada por fatores políticos, econômicos, religiosos, intelectuais e culturais. Os valores culturais vão ser determinados pelo conjunto família e comunidade, contudo, a política e a religião vão priorizar uma ordem social, muitas vezes este ordenamento determina uma opressão sócia econômica.

            A moral religiosa vem determinar o mundo e o ser perfeito, ético e moralmente inalcançável.  Para Nietzsche (2011) a qualidade que foi atribuída ao ser verdadeiro e ao mundo perfeito numa moral religiosa, na realidade é um mundo aparente determinado pelas dimensões em que é meramente uma ilusão, ótico-moral. Neste caso desaparecem os valores de heranças culturais e familiares, isto é, desaparecem os sujeitos, priorizando apenas a sociedade perfeita nesta ótica/moral.

            Já os valores intelectuais, serão priorizados muitas vezes pelos valores econômicos, políticos e religiosos. Conforme ressaltado anteriormente, essa ilusão ótica-moral desenvolvida pela religião também determinam as prioridades econômicas e políticas. Diante desta realidade é necessário perguntar: existe alguma relação entre a escola e a criança em situação de vulnerabilidade social? “[...], esta relação vai para além do que podemos imaginar, principalmente quando visualizamos a escola como parte fundamental dos sistemas ecológicos da criança em situação de rua, [...]” (SANTOS, apud KOLLER. 2010. P. 1999). Nietzsche (2011) menciona que o mundo verdadeiro é inalcançável, entretanto ele foi pensado como consolo, como um caráter de mando, ou como consecução de um fim prático.  

            Diante destes relatos não podemos nos esquecer das crianças e adolescentes que vivem em abrigos (Casas de Passagens) ou vendem balas em transportes coletivos e sinais de trânsitos. “[...], a condição de rua não implica num afastamento dos outros sistemas no desenvolvimento infantil, como a família, a escola etc.” (SANTOS, apud KOLLER. 2010. P. 1999).  

            Buscando fatos para comprovar a vivência de rua ou a evasão familiar, encontramos adolescentes da classe média nas praças de alimentações dos grandes Shoppings. Estes sujeitos deixam as escolas e passam o resto do dia na rua, muitas vezes os pais não têm conhecimento destes e de outros acontecimentos na vida dos seus adolescentes. É necessário observarmos que as questões sociais mais impactantes atualmente entre crianças e adolescentes é o uso de substâncias psicoativas. Partindo deste pressuposto, é necessário que se desenvolvam intensões pedagógicas especificas voltadas ao abandono escolar e ao uso destas substâncias, principalmente a crianças e adolescentes que já estão em situação de rua.  

            Isso indica que os fatores psicossociais da vivência de rua podem estar ligados à fuga da realidade sócia familiar. É importante destacarmos também que o uso de substâncias psicoativas é um estado de sublimação do prazer reprimido, dor psíquica por exclusão e negação sócia/familiar, fuga de necessidades orgânicas como a fome e ou uma busca por autonomia. Cabe ressaltar que muitas vezes o sujeito usa a substância por desafio de outros, isto é, autonomia. A droga e a vivência de rua andam juntas, ligam-se ao estado inconsciente da sublimação, ou fuga da realidade. Estes adolescentes invisíveis estão matriculados nas escolas de todo o País, apresentam déficits cognitivos, comportamentos desafiadores e muitas vezes, transtorno de aprendizagem. Outro fato é que muitos destes adolescentes cometem suicídio, sua agressividade não é por vontade própria e sim pela necessidade orgânica a substância. Contudo, é licito supor que as Instituições Educacionais não sabem como lidar com determinados comportamentos e não buscam preparo para tais necessidades sociais.

            Desta forma pode-se concluir que, o acesso às ruas como um processo de moradia ou fuga da realidade vai além da quebra dos vínculos familiares e do preconceito social. Hoje vivemos no século da informação e da qualificação profissional, os citados sujeitos não podem ser considerados ativos cognitivamente por não existir uma proposta pedagógica restauradora e ou desafiadora que os mantenham na Escola.

            Na idade média a educação objetivava dois tipos: a estatal e a eclesiástica, isto é, a educação militar e sacerdotal. A educação cavalheiresca e sacerdotal era objetivada pela estrutura social dominante e pelas condições sociais dos seus componentes. O Brasil acompanhou o estilo Europeu de Educação intelectual, este tipo de Educação era determinado por fatores políticos e econômicos. Faz-se necessário mencionar que a atual educação capitalista ainda apresenta traços da Educação do Século XIX, isto é, determina e escolhe os sujeitos que quer formar.

            Hoje vivemos uma educação automática, o sujeito não é direcionado a pensar ou a pesquisar, ele não cria, reproduz de forma automática as informações transmitidas pelo docente. E o sistema capitalista se mantem num caráter burocrático assumindo expressões como: há necessidade de sujeitos qualificados e especializados. Desse modo, podemos perceber que os saberes especializados dos sujeitos vêm trazer um sentido de pertencimento à camada dominante da sociedade capitalista. Há de se considerar que os fatores políticos, econômicos, intelectuais e religiosos ainda mantem secretos seus conhecimentos e intenções.

            Nas sociedades capitalistas são perceptíveis à exclusão social de alguns sujeitos, estes adentram no mercado de trabalho sob a proteção de Leis como: vagas para necessidades especiais ou cotas para negros e alunos de Escola Pública. Por outro lado, os sujeitos com necessidades especiais graves são excluídos vivendo a margem da sociedade. Foi com intuito reparador que as Leis de cotas e vagas para deficientes físicos foi criada, o sentimento de culpa e miséria sustenta-se no imaginário político social.

            É importante perceber que as desigualdades étnicas, físicas, econômicas e cognitivas determinam não só as questões de moradias quanto às questões de emprego, educação e renda.  Entre estes desiguais devemos citar crianças e adolescentes que vivem nas periferias das grandes cidades brasileiras. Ao passo que, estes desiguais estão fora da escola e automaticamente também está fora do mercado de trabalho, sobrando-lhes apenas a invisibilidade nas ruas das grandes cidades, a mendigação e ou uma sobrevida de empregos clandestinos e por fim, o tráfico de substâncias psicoativas.

            O domínio intelectual, econômico, político e religioso vêm trazer diferenças sociais graves, causando uma destruição dos costumes e dos valores familiares, neste trabalho vamos chamar de sociedade Cosmópolis. Foi durante as Oficinas Pedagógicas de arte e cidadania que percebemos os riscos e os efeitos que essa sociedade cosmopolita vem trazer ao desenvolvimento emocional, cognitivo e social dos sujeitos.

            As causas e os efeitos destes problemas deixam danos irreparáveis no psicológico dos sujeitos, e entre estes problemas encontramos: desempregos, suicídio, consumo e venda de substâncias psicoativas, danos ilícitos, Violação dos Direitos Humanos, Violação da Criança e do Adolescente, exclusão social e escolar, danos ao patrimônio, dentre outros. Assim passamos a observar que a sociedade Capitalista vem determinar suas peculiaridades individuais na consciência do suposto Cidadão. É necessário ressaltar que, os fatores exógenos interferem na formação da personalidade e no comportamento social dos sujeitos. Ou melhor, estas interferências influem no sentimento que permite ao sujeito experimentar a totalidade do seu mundo interno.

            Há de se considerar que o preconceito social ou socioescolar a estes sujeitos são grandes, isto sem falar que as escolas não apresentam em seus currículos uma pedagogia reparadora para o conflito do “eu social”. Ou uma didática desafiadora que possa sublimar ou propor uma situação problema desenvolvendo o interesse do sujeito a pesquisa.  

            Esta didática desafiadora ou reparadora do “eu social” aplicada ao Projeto Livro da vida uma Pedagogia do Diálogo, deverá explorar os potenciais cognitivos ou possibilitar uma psicotécnica pedagógica levando o discente a pensar sobre a imagem corporal e a imagem espetacular. Devemos refletir sobre as propostas reparadoras de Paulo Freire, de Piaget, de Vigotski, de Emília Ferreiro ou redescobrir Celestin Freinet. A psicotécnica pedagógica e reparadora deve propor uma orientação externa no pensar do sujeito, levando-o a pensar numa orientação interna. “[...], o saneamento dos atos deve começar pelo saneamento das ideias” (VIGOTSKI, 2010. p. 243). O citado autor (2010) menciona que pensar corretamente sobre o mundo é aproveitar a experiência do aluno, estabelecendo vínculos corretos entre os elementos do mundo vivido e suas reações comportamentais. Significa estabelecer em sua experiência vínculos corretos entre o pensamento e os atos.

            Como observamos os papéis sociais são determinados por vários fatores os mais comuns atualmente são: o sexo, a idade, a posição de gênero, a classe social econômica, etnicidade, e a religião. Poderemos incluir nesta peculiaridade os sujeitos com necessidades especiais como TDAH, esquizofrenia, transtorno de comportamento, deficiência intelectual, déficit de atenção, paralisia cerebral, transtornos de aprendizagem, etc. Vigotski (2010) menciona que a estrutura social é um fator determinante na posição social ocupada pelo sujeito.  E a pertinência a essa classe determina a atitude cultural e natural do indivíduo ao meio. O citado autor (2010) deixa claro que as mudanças sociais são pautadas na economia da respectiva época.

             Outro ponto determinante na construção e desenvolvimento do Projeto Livro da Vida uma Pedagogia do Diálogo foi à imagem ação apresentado pela subjetividade dos atos agressivos, desejo de satisfação pessoal, negação instintiva, violência e violação de direitos humanos nas escolas e na sociedade. Em nosso trabalho com oficinas psicotécnico pedagógicas de arte e cidadania na Casa de Passagem III, Liberdade Assistida e na Necessidade Especial, foi observado que as dominações econômicas e sociais foram determinantes na formação dos códigos legais e culturais, bem como em seus papeis sociais diferenciados. Em algumas respostas apresentadas pelos sujeitos em oficinas de Liberdade Assistida e na Casa de Passagem III, percebemos que as dominações econômicas e sociais determinou a imagem ação dos sujeitos.

            Contudo, percebemos que os estados de sublimação entre as inibições dos reflexos foram deslocado do inconsciente para as atividades propostas durante as oficinas. Isto é, a representação relacionada à vivência afetiva e social foi deslocada inconscientemente ao papel. Estes pontos também foram observados no acompanhamento das Audiências na 3ª Vara de Infância e Juventude e em palestras direcionadas as escolas públicas na Capital Natal R/N. Diante disto podemos a firmar que as ações e as inclinações e desejos radicados ao homem estão em interação ao meio. Ou melhor, toda vida psíquica do homem é orientada e determinada pela satisfação dos desejos e repulsa dos sofrimentos. Devemos ter em mente que, a subjetividade nasce e se modifica sempre de modo relacional, a medida que interage com outra subjetividade nasce um campo intersubjetivo.

 

                                                   Referências

 

FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 2010.

------------. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (coleção leitura).

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Crepúsculo dos ídolos. Porto Alegre, RS: L&PM, 2011

VIGOTSKY, L. S. O desenvolvimento da percepção e da atenção. 7ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 21 a 31.

 

----------------, Psicologia pedagógica. 3ª Ed. – São Paulo : Editora WMF. Martins Fontes, 2010.

VIGOTSKY, Lev Semenovich. Implicações educacionais. 7º ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 87 a 125.

----------------, Teoria e dados experimentais. Domínio sobre a memória e o pensamento. 7º ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 31 a 50.

MORAIS, NEIVA-SILVA, KOLLER. Além do Saber Ler e Escrever: a escola na vida das crianças em situação de rua. 1ª ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010, p. 199 a 211.

 

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